Redes de food crescem, mas má gestão é risco para expansão
Pesquisa feita por Galunion e ABF apresenta perfil completo do setor
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Apesar do desempenho robusto em 2024 — com crescimento de 15,6% no faturamento e 3% no número de unidades —, as franquias de foodservice no Brasil ainda enfrentam um problema persistente: a gestão operacional das unidades. A combinação entre complexidade do setor, perfil inadequado de franqueados e ausência de preparação para a realidade da operação tem afetado não só a rentabilidade das lojas, mas também sua continuidade.
De acordo com a 14ª Pesquisa Anual Setorial de Foodservice, 74% das redes entrevistadas relataram o fechamento de lojas ao longo do ano. Embora isso represente apenas 5% do total de pontos de venda, os dados revelam que mais da metade das redes fecharam entre 1 e 3 unidades e o principal motivo, apontado por 70% das marcas, foi a má gestão por parte dos franqueados. O número de redes caiu de 938 em 2023 para 918 em 2024, porém, as unidades passaram de 45.709 para 47.161 no mesmo período. Em números absolutos, o faturamento encerrou o último ano com um histórico R$ 71,6 bilhões.
O estudo foi conduzido em parceria entre a Associação Brasileira de Franchising (ABF), principal representante do mercado de franquias, e a Galunion, empresa especializada em alimentação fora do lar.
Ausência do franqueado e danos à operação
Segundo Bruno Gorodicht, coordenador da Comissão de Food Service da ABF, o maior problema está na ausência do franqueado na operação, especialmente, de alimentação – mais complexa que as demais.
“Unidades que não sentem a presença do franqueado sofrem mais, pois os colaboradores acabam perdendo o padrão e a motivação e isso impacta diretamente no resultado, é um ciclo negativo.”, explicou. Esse descuido gera um ciclo de insatisfação e baixa performance difícil de reverter.
A falha na seleção de franqueados também é um fator determinante. Muitos empreendedores ainda veem o franchising como uma aplicação de retorno garantido, quando, na realidade, o modelo exige empenho, disciplina e suor diário. A expectativa de um retorno automático, sem envolvimento ativo, leva ao desalinhamento entre franqueado e operação e, eventualmente, ao fechamento da loja.
Seleção e treinamento
A prevenção passa por dois pilares: seleção mais rigorosa e treinamento contínuo. Redes que investem em processos seletivos robustos, aliados a uma relação transparente com o franqueado e um programa de capacitação recorrente, conseguem se antecipar aos gargalos. É melhor que o candidato desista ao entender a complexidade do setor do que entrar mal informado e sair em seguida. “É mais danoso ao ecossistema”, alerta Gorodicht.
Também acende um alerta para o setor outro dado da pesquisa, segundo o qual 66% das redes oferecem treinamento em gestão financeira para entrantes no negócio enquanto 98% priorizam conteúdos operacionais e 90%, atendimento. Além disso, o uso de novas tecnologias e IA ainda está longe de ser prioridade nos treinamentos, apesar de sua crescente importância para o futuro do setor. Somente 12% das franqueadoras oferecem esse tipo de capacitação.
O executivo da ABF destaca que as redes de foodservice estão na vanguarda de muitas iniciativas, mas é evidente a necessidade de atualizar os processos de gestão. “As marcas que estão trabalhando esses temas há mais tempo estão mais fortes no momento atual”, diz.
A pesquisa mostra que 79% das redes já usam sistemas de gestão (POS), 72% adotaram cardápios digitais e 71% operam com ferramentas de CRM. Os indicadores comprovam que a digitalização começa a ocupar espaço na estratégia.
“Ainda que a pesquisa não traga dados diretos sobre impacto em margens, é visível a correlação entre digitalização e maior controle operacional”, analisa Simone Galante, fundadora e CEO da Galunion. “Tecnologias como automatização de pedidos, integração de canais e uso de dados para tomada de decisão reduzem erros, agilizam processos e melhoram a previsibilidade. Isso, no foodservice, pode se traduzir em eficiência e capacidade de reagir aos sinais de mudança”, complementa a executiva.
Menos é mais
O crescimento do setor pós-pandemia trouxe consigo uma nova mentalidade de expansão, com as redes priorizando lojas com cardápio reduzido, formatos não tradicionais e produtos exclusivos embalados. A proposta é simplificar a operação, reduzir a complexidade e o custo e melhorar a experiência do cliente.
“Literalmente, menos é mais”, afirma Bruno Gorodicht. “Quando damos muitas opções, o cliente demora mais [para escolher] e, às vezes, se confunde. Por conta disso, pode ter uma experiência ruim. Por isso, cada vez mais, estamos vendo menus reduzidos”, conta Gorodicht. De acordo com ele, os pontos de atratividade, hoje em dia, não é mais a diversidade do cardápio e, sim, os produtos exclusivos da marca. “Um produto que leva um tempero diferente, exclusivo, próprio, traduz um pouco da alma da marca e aproxima o cliente ao propósito dela”.
Para Simone Galante, a reestruturação está diretamente conectada ao fortalecimento da identidade da empresa, ao mesmo tempo em que amplia a eficiência operacional. Segundo o estudo, 66% das redes reorganizaram seus menus pensando nos canais digitais, o que reforça o compromisso com uma experiência omnichannel mais coesa.
Mão de obra é uma ferida aberta no setor
A dificuldade de reter colaboradores é outro ponto crítico. Em 2024, 98% das redes relataram esse problema, um aumento em relação aos 94% de 2023. Simone mostra que esse desafio tem sido enfrentado com estratégias múltiplas, como:
- Premiação por metas atingidas: 84%
- Treinamento de liderança: 49%
- Desenvolvimento da gestão: 49%
- Plano de carreira revigorado: 30%
- Mudança no formato de remuneração (variável): 30%
- Aumento de salário: 33%
- Convênios com benefícios: 25%
- Mais comunicação e confraternizações: 18%
- Mudanças no formato de trabalho (menos horas, menos dobras, etc): 15%
A adoção crescente dessas práticas mostra uma virada de chave em andamento. “Para reter, é preciso cuidar. E isso envolve formação, reconhecimento, comunicação e proposta de valor para quem trabalha na ponta. Embora ainda estejamos longe de resolver o problema, vemos avanços”, opina a CEO da Galunion.
Multifranqueados na expansão sustentável
Embora 74% dos negócios no setor sejam controlados por multifranqueados, a maioria das redes ainda não possui estrutura de suporte voltada a esse público. A ABF defende que a franqueadora deveria criar modelos de consultoria e treinamento específicos para este perfil.
Por outro lado, a expansão mais sustentável costuma ocorrer quando o próprio franqueado deseja crescer. Essa motivação interna tende a gerar maior estabilidade, comprometimento e replicação de boas práticas.
Diante dos obstáculos que se impõem para empreender, Simone avalia que o franchising está mais resiliente, além de mais maduro, com modelos testados, processos padronizados e visão estratégica de longo prazo. “Este é um setor que se reinventa e pode aprender em rede para estar preparado a enfrentar os desafios”, finaliza a executiva.
Imagem: Freepick