Futuro do varejo: agentes de IA irão negociar com marketplaces

Alexandre Kavinski, líder de Inovação e IA na WMS, diz que uma inteligência artificial negociará a favor do comprador e a outra, de quem faz a venda. E é só o começo

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Fazer futurismo sobre negócios é um risco que nem especialistas nem jornalistas gostam de correr. Mas o exercício de projetar o que está por vir é tão humano que construímos máquinas para nos fornecer dados preditivos precisos. É com base na ciência, no que já existe e está em evolução e nas quase três décadas de experiência profissional que Alexandre Kavinski,  líder de Inovação e IA na WPP Media Services (WMS), nos ajuda a pensar o futuro do varejo. Segundo ele, a tecnologia que se aproxima não está distante, ao contrário, é um cenário tecnicamente possível. “O aparato tecnológico necessário para que inteligências artificiais assumam parte da jornada de compra e negociação já existe — o que falta é a maturação dos mecanismos de segurança e qualidade nas trocas”, diz.

Com 28 anos de experiência em marketing digital, sendo 15 deles dedicados à WPP, Kavinski é especialista em inteligência artificial, com foco em ética, aplicações de negócios e tecnologia. Em 2023, presidiu o Comitê de Privacidade e Personalização do IAB Brasil e é membro do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).

Segundo convidado para a seção Grandes Entrevistas do portal Estratégias&Negócios, Alexandre Kavinki descreve a próxima experiência de consumo mediada por agentes de inteligência artificial, com autonomia para negociar entre si. De um lado, um assistente pessoal que conhece o histórico, as preferências e as necessidades do consumidor. Do outro, um agente de marketplace, com poder de barganha e análise de margem. Esses dois sistemas conversarão, trocarão dados e definirão — sozinhos — as melhores condições de compra e venda. O resultado? Um mercado radicalmente novo. E a loja física? Irá se confirmar como espaço de conexão e experiência.

Boa leitura!

E&N — O que podemos esperar do futuro com a evolução das inteligências artificiais, avatares e máquinas que negociam entre si?

Kavinski — Falar de futuro é sempre desafiador, porque não há uma previsão exata, mas possibilidades. No caso do varejo, a tecnologia necessária para que inteligências artificiais passem a mediar as compras já existe. O que falta é o amadurecimento de mecanismos que garantam mais segurança e qualidade nos resultados dessas trocas.

Se olharmos para o comportamento do consumidor, percebemos que a IA já começa a atuar como uma extensão da jornada de decisão. Imagine que eu queira comprar um aquecedor. Fiz essa jornada ano passado. Eu descobri que as opções eram inúmeras, não só de marca, mas principalmente de tipo de aquecedor. Existe aquecedor a óleo, elétrico, de cerâmica, há diferença de um aquecedor de 220v para um de 110v. Para eu conseguir fazer a decisão dessa compra, precisei aprender qual que era a funcionalidade e a finalidade de cada um e se elas se adequavam à minha necessidade ou não, antes de decidir em torno de marca, em que lugar ou modelo eu iria comprar. Essas informações não me interessam, porque eu não quero ser um especialista em aquecedor. Esse conhecimento não enriquece em nada o meu dia a dia.

Eu acredito que, para esse tipo de situação, a IA começa a vir muito bem preparada para apoiar o consumidor, para que não seja preciso fazer toda essa jornada de conhecimento, de coleta de informações, para tomar uma decisão. Ela pode sugerir, com base no meu histórico, qual é o tamanho do meu espaço, saber onde eu moro e qual é a temperatura média durante o ano, qual é o modelo ideal. O próximo passo será a IA não apenas recomendar, mas negociar diretamente com os marketplaces.

No futuro, teremos duas inteligências artificiais conversando entre si: uma representando o comprador e outra representando o vendedor. Elas discutirão prazos, formas de pagamento, margem e conveniência. Será um mercado completamente novo, em que a transação acontece de forma automatizada e estratégica.

E&N — Como esses agentes de IA vão funcionar na prática?

Kavinski — Cada consumidor terá um agente pessoal de IA, treinado para entender suas preferências, hábitos e histórico de consumo. Esse agente saberá, por exemplo, quantas lâminas de barbear eu costumo comprar por mês e poderá negociar automaticamente o melhor preço anual com um marketplace.

Do outro lado, o marketplace também terá seu próprio agente e os dois conversarão entre si. O meu agente apresentará meu perfil, histórico de compras e intenção de aquisição. O agente do marketplace avaliará se vale a pena oferecer desconto, prazo maior ou outros benefícios. A negociação será feita entre máquinas, com parâmetros definidos por cada lado.

Essa lógica mudará o modo como pensamos marketing, mídia e gestão de varejo. O desafio será compreender como funcionam os protocolos de comunicação entre agentes, que dados são trocados, de onde vêm essas informações e como garantir que sejam usadas de forma ética e eficiente.

E&N — Na medida em que os agentes de IA negociam entre si, deve haver um impacto maior sobre a reputação das marcas e dos produtos.

Kavinski — À medida que as IAs assumirem parte da jornada de decisão, a transparência dos dados e dos reviews se tornará fundamental. Marcas que cultivarem avaliações autênticas e consistentes terão vantagem competitiva.

Hoje, marketplaces com grande volume de reviews, como Amazon ou Mercado Livre, saem na frente. Mas isso pode mudar. A IA será capaz de cruzar informações de diferentes plataformas, verificando a veracidade das avaliações e apresentando um panorama mais equilibrado ao consumidor. Isso trará um campo de competição mais justo, em que a qualidade do produto e a experiência do cliente falarão mais alto que o volume de avaliações.

E&N — Conversei com outros especialistas e um deles me disse que a tendência do varejo, hoje, é se tornar um ecossistema: ou você se torna um ou fará parte de um. Me parece que isso faz sentido, especialmente, para pequenas marcas, nesse novo cenário. Elas vão precisar estar associadas a um ecossistema, mesmo que mantenham sua identidade. Você acredita que esse é o caminho?

Kavinski — Eu acredito que a IA não fará apenas parte de um ecossistema , ela será o próprio ecossistema. Os grandes desenvolvedores de modelos de linguagem (LLM), como  Gemini, OpenAI, Microsoft, Entropic, caminham para se tornar superapps: interfaces únicas que integram voz, texto, mídia, serviços e transações.

Penso que veremos consumidores conversando com suas IAs como conversam com amigos ou assistentes pessoais. Essa comunicação será cada vez mais natural, especialmente com o avanço da voz como interface dominante. O próximo ano será o ano da voz, da busca por voz, tudo será modificado para isso. O comportamento humano vai se adaptar e, talvez, o teclado se torne algo tão obsoleto quanto uma fita cassete. As novas gerações definirão esse movimento. Para elas, falar com uma IA será tão comum quanto buscar no Google. E isso vai mudar toda a lógica de consumo e interação com as marcas.

E&N — O que muda para o marketing e para os líderes do varejo nesse novo contexto?

Kavinski — A principal mudança está em entender e construir relações com os algoritmos. O marketing de busca sempre se baseou em decifrar o algoritmo do Google. Agora, será preciso compreender os algoritmos das inteligências artificiais, ou seja, quando os agentes começarem a se conversar, que protocolos acontecem, qual é a troca, que tipo de informação eles trocam, de onde vem essa informação, onde estão esses dados, quais são os dados que alimentam a minha IA, quais são os dados do meu negócio que a IA vai pegar para fazer essa conversa e fazer essa comunicação. Será preciso saber como construir conversas em cima desse algoritmo, porque as coisas estão mudando de uma busca para uma conversa.

As marcas precisarão aprender a criar experiências conversacionais, com vozes próprias, personalidades consistentes e empatia real. O caso da Lu do Magalu é um ótimo exemplo: ela já tem linguagem, comportamento e presença consolidados. Mas quando eu creio um agente para o meu negócio, que voz ele vai ter? Como ele vai se comportar? Quando isso for definido, a gente dobra e poderá ter uma marca com várias vozes, ter diferentes agentes com diferentes comportamentos e perfis para atender diferentes comportamentos e perfis do consumidor.

Ao mesmo tempo, a criatividade humana será indispensável – e isso é ótimo porque a gente não vai ficar desempregado (risos). Mesmo com hipersegmentação e automação, só pessoas conseguem construir histórias que evoluem com o tempo e geram vínculo emocional.

E&N — E qual será o papel da loja física nesse cenário digital e automatizado?

Kavinski — A experiência presencial continuará essencial. Por mais avançadas que sejam as inteligências artificiais, a vivência física é decisiva na hora da compra. Testar um produto – sentir o toque, experimentar, comparar – tem um poder emocional que nenhuma tecnologia substitui.

Posso dar exemplos pessoais: se eu tivesse a oportunidade de testar uma mesa digitalizadora antes de comprar, essa experiência seria determinante. Uma vez, experimentei um fone da Bose em uma loja, anos atrás, Eles simulavam o barulho da cabine do avião e te davam o fone, que abafa completamente esse barulho. Para mim, aquela descoberta foi tão maravilhosa, a experiência foi tão marcante, que eu comprei na hora.

Esse tipo de impulso emocional permanece relevante. Mesmo com as negociações automatizadas, o varejo físico seguirá como hub de experimentação e descoberta, onde o consumidor sente, compara e decide.

E&N — Para encerrar, o que continuará definindo o sucesso das marcas nesse futuro automatizado?

Kavinski — No fim das contas, o que sempre definirá o sucesso é a qualidade da experiência do consumidor com o produto. A tecnologia pode facilitar, automatizar e negociar, mas a decisão final ainda nasce da emoção e da confiança.

Voltamos, assim, ao início da conversa: duas inteligências artificiais poderão negociar entre si, mas será a experiência humana — física, emocional e autêntica — que determinará quem realmente vence o jogo do varejo.

Imagem: Arquivo pessoal

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