A era do funil acabou
IA e comércio unificado definem o novo comportamento de consumo dos brasileiros
A jornada de compra deixou de seguir uma lógica previsível. O consumidor moderno fragmenta suas decisões, que passam exclusivamente das lojas físicas para uma jornada entre plataformas e contextos, tornando a experiência de venda um labirinto de conexões simultâneas. A era do final acabou. O desafio, agora, é crescer neste ambiente complexo, o que dependerá da capacidade dos negócios em integrar dados, canais e emoções com inteligência artificial. Este é um dos apontamentos presentes no estudo “IA e o futuro da jornada do consumidor” realizado em parceria pela WGSN, empresa global especializada em tendências de mercado para o consumo, e pela Blip, plataforma de soluções conversacionais.
O relatório conclui que a tecnologia rompeu a fronteira entre o mundo físico e digital. Com isso, o percurso que o cliente faz para comprar também não é mais híbrido, fígital ou omnichannel, mas integrado. Logo, o varejo precisa se inspirar em modelos mais inteligentes e rentáveis de comércio unificado, no qual tudo está conectado, desde os dados, estoques, pagamentos, passando por promoções até o relacionamento.
O tradicional funil de vendas, com etapas previsíveis de topo, meio e fundo, se tornou obsoleto. O consumidor contemporâneo age de forma não linear: pesquisa, pausa, retorna e compra quando menos se espera. A WGSN define esse movimento como o “achatamento do funil”, isto é, uma ruptura que exige novas estratégias de comunicação e vendas.
Segundo o estudo, 82% dos consumidores consultam de três a sete fontes de informação antes de comprar e 47% iniciam sua busca diretamente em marketplaces. A multiplicidade de pontos de contato torna o processo de decisão mais complexo, exigindo do varejo mais que presença multicanal e incluir experiências integradas e consistentes em todos os ambientes.
Do omnichannel ao comércio unificado
A principal resposta do setor vem do comércio unificado, modelo que elimina barreiras entre canais e entrega uma experiência única, do primeiro clique ao pós-venda. Nessa lógica, os dados do consumidor se tornam o ativo mais valioso, conectando histórico de compras, comportamento e preferências em tempo real.
O impacto já é mensurável. A pesquisa evidencia que empresas que adotaram plataformas de comércio unificado registraram um aumento médio de 7,5% nas receitas anuais. As marcas não terão sucesso se apostarem na implementação de mais canais, mas de canais que conversem entre si.
Por outro lado, a inteligência artificial redefine a forma como o varejo compreende e se relaciona com os consumidores. Ferramentas preditivas passam a antecipar desejos e oferecer recomendações antes mesmo de o cliente saber o que quer.
No Brasil, 35% das pessoas utilizam IA para decidir o que comprar, e esse número sobe para 60% entre a Geração Z. Globalmente, 59% dos consumidores esperam que as empresas usem seus dados para personalizar a experiência de compra. Esse movimento inaugura uma nova lógica de mercado: as marcas precisam aprender a vender não só para pessoas, mas também para as inteligências artificiais que as aconselham o chamado modelo B2AI2C. E, em breve, compras entre agentes de IA de ambas as partes.
A IA impulsionará constantemente novos comportamentos de compra e, o que se pode enxergar atualmente, é sua capacidade de conectar sistemas, interpretar textos e de tomas algumas decisões em tempo real, transformando os negócios em uma operação autônoma e eficiente.
Tecnologia afetiva
Ao mesmo tempo em que a tecnologia se destaca cada vez mais como protagonista nas relações humanas, cresce também a demanda por ferramentas emocionalmente inteligentes. A WGSN chama essa tendência de “tecnologia afetiva”, que significa sistemas capazes de reconhecer e responder às emoções humanas. Isso tem implicações diretas sobre o relacionamento entre marcas e clientes. Os dados apontam que clientes emocionalmente conectados geram 306% mais valor vitalício (CLV) para as empresas.
O equívoco, no entanto, parece estar na postura adotada pelas empresa, já que 61% dos consumidores se sentem tratados como números. Essa percepção reforça a importância do comércio conversacional, que transforma chats e assistentes de voz em verdadeiros concierges digitais. Quando conveniência e vínculo são combinados, os canais de atendimento passam de mero suporte para espaços de venda e fidelização.
A WGSN projeta que, até 2028, o tráfego de busca orgânica das marcas cairá 50%, à medida que os consumidores passarem a usar sistemas de IA para pesquisar e comprar produtos. Isso confirma que a conversa será o novo ambiente de compra e a humanização digital, o grande diferencial competitivo.
Privacidade e confiança
As empresas têm ainda outro desafio: entregar recomendações personalizadas para clientes que não querem mais compartilhar seus dados e desejam sair da sensação de vigilância digital. O consumidor moderno também cobra transparência das empresas nesse aspecto.
O estudo sugere uma transição de um modelo baseado no rastreamento invisível para uma lógica de confiança ativa, em que o consumidor entende como seus dados são usados e se sente no controle. Essa clareza redefine a lealdade e torna a ética de dados um fator central da reputação de marca, principalmente, em negócios baseados no comércio unificado e automação inteligente.
Experiências reais
Por último, e não menos relevante, enquanto a conveniência tecnológica domina, surge uma contratendência: o desejo por experiências que exigem tempo, atenção e presença. Chamadas de high friction experiences – que significa experiência de alta fricção, em tradução literal -, elas representam uma busca por autenticidade e conexão real.
De acordo com a WGSN, 67% dos consumidores brasileiros estão se desconectando intencionalmente das redes sociais. Isso abre espaço para um varejo que valoriza o toque humano, o atendimento pessoal e a experiência sensorial. Essas dimensões fortalecem o vínculo e o propósito da marca.
O comércio unificado deve equilibrar eficiência algorítmica com experiências humanas memoráveis. O consumidor quer conveniência e e significado.
Imagem: Freepick