Mixue deve redesenhar o franchising no Brasil

Gigantes chinesas, antes focadas no online, avançam para o varejo físico

Quando a Mixue Ice Cream & Tea anunciou sua vinda para o Brasil, há cerca de um mês, causou furor em todos os setores, da imprensa ao foodservice, e não foi sem motivo. O modelo de expansão agressivo dos chineses, até então conhecido em operações de e-commerce, por meio de plataformas como Shein, Aliexpress e Temu, chega, agora, ao varejo físico pela sorveteria, que prevê investir R$ 3,2 bilhões na consolidação da operação no País.

Para se ter uma ideia da força da marca, de janeiro a setembro de 2024 foram abertas 7.500 novas unidades, o que representa uma média de 27 lojas inauguradas sem interrupção ao longo de 274 dias. E se o dado parece improvável, a comparação do tamanho da rede entre 2019 e 2024 surpreende ainda mais. Em cinco anos, a Mixue abriu 38 mil unidades. Para alguns especialistas, é uma das expansões mais rápidas da história do varejo. Hoje, são 45 mil lojas, em 12 países, cujo volume ultrapassa McDonald’s e Starbucks, consideradas as duas maiores redes em número de operações no mundo antes de a chinesa aparecer.

Também a título de comparação, o McDonald’s, que completa 70 anos em 2025, alcançou, ao longo de sua trajetória, 40 mil restaurantes. A Mixue, fundada em 1997, fez quase o mesmo número em meia década.

Modelo de negócio

O negócio é simples, mas a estratégia tornou a operação hipereficiente. O primeiro item foi oferecer um sorvete cremoso, em cone comestível, parecido com a “casquinha do Méqui”, por 1 yuan, além de chás.

Para crescer com velocidade, a Mixue investiu pesado em uma cadeia de suprimentos integrada e em logística própria capazes de abastecer todas as unidades com rapidez e baixo custo. Hoje, 99% das lojas são franqueadas. A expansão focou em pequenas cidades, com uma rede logística que atende 97% das unidades, chegando até mesmo às áreas mais remotas em apenas 12 horas.

O formato de sorveteria chegou à Indonésia, onde funcionam mais de 2.600 lojas, ao Vietnã, à Tailândia, Malásia, Coreia do Sul, Austrália, ao Japão e Cazaquistão. Agora, o Brasil engrossa a fila.

“A chegada da Mixue ao Brasil representa um marco importante no mercado de franquias ao mostrar que empresas chinesas, que antes impactavam o consumidor brasileiro quase exclusivamente pelo online, agora, estão avançando de forma consistente no varejo físico. Este movimento deve pressionar o mercado de franquias a se reinventar, principalmente, em termos de eficiência operacional, precificação e experiência de consumo, que são pontos fortes dos modelos asiáticos”, analisa Lyana Bittencourt, CEO do Grupo Bittencourt, consultoria especializada em expansão e gestão de redes de negócios e franquias.

De acordo com a executiva, mais do que uma nova rede de bebidas, “a entrada da Mixue no País é um sinal de que o varejo brasileiro precisa estar atento ao avanço de marcas globais com grande poder de escala, dispostas a democratizar produtos que antes eram vistos como premium por preços muito acessíveis, o que pode mudar a dinâmica competitiva do setor de alimentação e bebidas nacional”, alerta.

Branding

Avaliada em US$ 28,35 bilhões em junho deste ano, a Mixue se tornou uma marca querida dos chineses e não foi apenas pelo baixo custo dos produtos. A empresa soube como se conectar com a geração Z, construir um cardápio atento à nova demanda e visualmente atraente, viralizar em redes sociais como o Tik Tok e contar uma história consistente.

O nome da marca, Mixue, foi definido com a intenção de fortalecer a narrativa da companhia. Mi significa “doce” e Xue, “neve”, podendo ser traduzido como “gelado doce”, sentido que abrange o mix de produtos, composto de sorvetes e chás gelados. O mascote, chamado de Snow King (Rei da Neve, em tradução literal), é um boneco de neve que segura um cetro em formato de sorvete de cone . Com traços muito simples, tornou-se um símbolo de conexão emocional com os consumidores.

Batizados de bubble tea, os chás feitos com leite ou frutas e bolinhas do sagu ao fundo são uma das sensações do portfólio da marca. Em São Paulo, algumas lojas já comercializam o bubble tea, mais facilmente encontrado no bairro da Liberdade, região central da capital paulista, onde comércio e restaurantes asiáticos estão mais concentrados.

“A Mixue é uma rede famosa na China de venda de sorvetes e chás gelados. Entendemos que ela tem um potencial para se tornar uma febre no mercado brasileiro, especialmente, para atrair o público jovem de grandes cidades. Evidentemente, é necessário que a Mixue se adapte ao paladar brasileiro e ao estilo do consumo local, mas pode ser um modelo de negócio que vai atrair o público brasileiro em virtude de produtos mais acessíveis”, afirma Thomas Law, diretor-presidente do Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina).

CEO começou como camelô

Aos 21 anos, Zhang Hongchao, então estudante de Economia e Direito, morador da província de Henan, região central da China e distante da capital, Pequim, cerca de 600 quilômetros, decidiu empreender e pegou emprestado de sua avó 3 mil yuans, o equivalente a US$ 418,16 na data de hoje. Com esse valor, montou uma barraca de raspadinha na rua, chamada Coldsnap Shaved Ice.

O sucesso, entretanto, não chegou de imediato. Depois da barraca, tentou evoluir para o modelo de loja. As primeiras ou foram fechadas ou demolidas por terem sido instaladas em locais impróprios. A mudança ocorreu em 2003 ao montar a unidade que finalmente daria certo em frente a uma escola. Dois anos depois, a “Loja de Raspadinha” foi oficialmente batizada de Mixue Bingcheng, que cuja tradução livre soa como “Palácio do Gelado Doce”.

Listado entre as 350 pessoas mais ricas do planeta, Zhang tem uma fortuna avaliada em US$ 10,2 bilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index. A marca foi alcançada após a oferta pública da Mixue na Bolsa de Valores de Hong Kong em março de 2025.

Imagem: Reprodução