“A intenção é a nova moeda relacional”

Em entrevista, Julien Diogo, especialista em Neuromarketing e Comportamento do Consumidor, analisa o novo cenário do consumo

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A disputa acirrada pela atenção do consumidor, e que alimentou por décadas a competição entre marcas, deu sinais de esgotamento. A saturação de estímulos, o ruído constante e a fadiga cognitiva abriram espaço para um novo movimento: a virada da Economia da Atenção para a Economia da Intenção. Agora, já não basta conquistar olhares e cliques, é preciso compreender para onde eles apontam, qual desejo silencioso ou objetivo futuro orienta cada interação.

Mais do que tecnologia avançada e algoritmos preditivos, essa transição demanda um contrato ético com o consumidor, um pacto de transparência, empatia e responsabilidade, uma vez que antecipar necessidades não pode significar explorar vulnerabilidades, assim como filtrar intenções é diferente de capturá-las. E essa diferença será a linha divisória entre marcas que constroem confiança e aquelas que apenas geram conversões efêmeras.

Nessa nova lógica, a intenção se torna a moeda relacional mais valiosa. Presença já não é sinônimo de conexão e atenção não garante ação. A densidade emocional e o valor preditivo da intenção silenciosa desafiam as métricas tradicionais e exigem novas formas de mensuração. As marcas que entenderem essa virada poderão criar vínculos mais profundos, transformando cada interação em um passo concreto na jornada do consumidor.

Sem sombra de dúvidas, são mudanças que abrem dilemas relevantes para o mundo atual: até que ponto conseguimos distinguir intenção real de ruído digital? Qual é o papel da autenticidade em um cenário em que grande parte do conteúdo já não é produzido por humanos? Como equilibrar personalização e privacidade em ecossistemas digitais cada vez mais integrados? E, principalmente, estaremos preparados para medir e interpretar intenções sem manipular contextos e escolhas?

Para aprofundar essas reflexões, entrevistei Julien Diogo, CCO da ICN Agency, especializado em Neuromarketing e Estudos de Mercado, e da PsicoSoma, editora e centro de formação profissional. Professor Adjunto no Instituto Politécnico de Viseu e professor convidado no Instituto Superior de Administração e Gestão (ISAG), leciona disciplinas como Comportamento do Consumidor, Comunicação Estratégica, Inovação e Neuromarketing em Portugal. Também é consultor em Neurociência Cognitiva aplicada ao Marketing e à Estratégia, com atuação nacional e internacional, Julien Diogo é também autor de artigos e livros sobre Neurociência aplicada à Comunicação, ao Marketing e ao Place Branding, incluindo participações em obras como NeuroCities, Neurobranding e Princípios de Neuromarketing.

Diogo estreia a seção Grandes Entrevistas do portal Estratégias&Negócios.

E&N – Qual é o ponto de ruptura que marca a virada da Economia da Atenção para a Economia da Intenção?

Julien Diogo – O ponto de ruptura ocorre quando a saturação de estímulos deixa de gerar valor. A atenção tornou-se um recurso escasso, deixo como sugestões de leitura o The Attention Economy: Understanding the New Currency of Busines, de Davenport & Beck, sendo que a hiperexposição levou à “fadiga cognitiva do consumidor”. A virada acontece quando percebemos que captar atenção já não basta, é preciso entender para onde ela aponta.

A Economia da Intenção emerge quando o comportamento passa a ser lido não apenas como reação, mas como direção: o que o consumidor realmente procura, sente e deseja. O papel das marcas passa de captar a atenção para antecipar uma necessidade, uma mudança de foco do presente para o futuro. Este conceito surge pelas mãos de vários investigadores da Universidade de Cambridge, justificando que as previsões sobre as nossas futuras ações serão vendidas para o maior lance. Yaqub Chaudhary e Jonnie Penn publicaram o artigo designado Beware the Intention Economy: Collection and Commodification of Intent via Large Language Models. O conceito emerge na era dos modelos de linguagem (LLMs) e da IA generativa, em que o foco passa a ser a comercialização de sinais de intenção humana, não apenas a atenção oscilante.

E&N – Como lidar com o fato de que o ser humano mente ou disfarça seus desejos nas redes?

Julien Diogo – A intenção raramente é explícita. Como dizia Freud, “a mente mente”. Likes e cliques são indicadores muitos frágeis do desejo. A Economia da Intenção precisa ir além da superfície, e decodificar a verdade atrás da ação. Corremos o risco de criar bolhas de “intenções” assentes em não-desejos e necessidades, criando, assim, ecossistemas nos quais o consumidor vê e interage com conteúdos, produtos ou serviços que não são nem nunca foram do seu real interesse.

A neurociência e o neuromarketing, por exemplo, oferecem ferramentas como eye-tracking, análise de resposta galvânica, e EEG, que detectam respostas não verbais e inconscientes. A verdadeira inovação será a combinação entre leitura psicofisiológica e dados contextuais

E&N – A Economia da Intenção exige um novo contrato social com o consumidor?

Julien Diogo – Sim. Se a Economia da Atenção sequestrou o tempo do consumidor, a da Intenção exige um pacto ético. As marcas devem assumir o papel de curadoras de intenção, não exploradoras de vulnerabilidade.

Isso exige práticas transparentes, explicabilidade algorítmica e empatia preditiva. [Shoshana] Zuboff fala sobre isso no seu livro The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power. Para mim, o futuro não é apenas de dados mais ricos, mas de relações mais éticas.

É fundamental que exista uma regulação dessa nova lógica de mercado para garantir autonomia individual, transparência e proteção dos padrões democráticos.

E&N – Como captar intenções reais, mesmo quando elas são inconscientes?

Julien Diogo – A maioria das decisões de consumo são emocionais e inconscientes, como explora António Damásio, Daniel Kahneman, entre muitos outros autores. A intenção envolve propósito, desejo e plano de ação, sendo distinta de um mero impulso ou desejo do momento, envolve um compromisso, mesmo que implícito, com uma ação futura.

A neurociência tem mostrado que a intenção está ligada à antecipação de recompensa, e não apenas à declaração consciente de interesse. A dopamina ativa circuitos que preparam o cérebro para agir em função de uma meta. A dopamina está envolvida, assim, na antecipação da recompensa, no desejo de agir, não apenas no prazer obtido depois. Perceber a antecipação dos desejos e das necessidades antes mesmo de serem expressos verbalmente é o desafio.

Captar as intenções reais é possível ao aplicar ferramentas como o EEG entre outras, que conseguem inferir intenção de compra antes que ela seja verbalizada. Contudo, como já referi, o desafio é integrar isso de forma ética e relacionada com dados digitais, um grande desafio para todos, governos e empresas.

E&N – A Economia da Intenção pode ser manipulada como a da Atenção foi? 

Julien Diogo – Não diria manipulada, mas condicionada, o que pode ser por consequência um risco. A manipulação disfarçada de personalização é um viés herdado da era da Atenção.

A questão que coloco a todos é “personalizar para servir ou personalizar para explorar?”. A leitura legítima de intenção é proativa, transparente e centrada no valor para o consumidor. A manipulativa é reativa, opaca e orientada à conversão a qualquer custo. Mais uma vez, a ética será a fronteira na interligação dos campos e dos propósitos das marcas.

O microtargeting emocional, com base em dados e algoritmos conseguem identificar fragilidades emocionais ou momentos de vulnerabilidade [ansiedade, solidão, medo] e ativar gatilhos persuasivos. Por outro lado, o sycophantic [comportamento de elogiar excessivamente pessoas em posições de poder ou autoridade de forma insincera, com o objetivo de obter uma vantagem pessoal] de modelos de IA podem refletir e reforçar crenças, medos ou desejos, criando a ilusão de validação personalizada, que pode afirmar falsas intenções e levá-lo a decisões enviesadas.

E&N – Quais setores estão mais preparados ou vulneráveis a essa transição?

Julien Diogo – Atualmente, diria que qualquer setor econômico pode entrar na dinâmica da Economia da Intenção, sendo fundamental para tal assegurar investimento financeiro. Destaco, contudo, o setor da saúde, com digital health e personalização preventiva (como apps de bem-estar baseados em IA), ou ainda, o setor da finança, com o avanço dos assistentes financeiros baseados em intenção futura. O setor da publicidade ou do marketing, de forma geral, está a adotar a grande velocidade as novas ferramentas, contudo, ainda sem acesso para todos. As grandes empresas como a Amazon, Spotify e Tesla já possuem nas suas estruturas modelos de intenção contínua.

Aqui, destaco novamente a leitura de Zuboff, que acredita que a “sociedade do século 21 corre o risco de se transformar numa colmeia totalmente interconectada e controlada, que nos seduz com a promessa de uma vida fácil e consumidora”.

E&N – A Economia da Intenção é uma evolução tática ou uma mudança de paradigma?

Julien Diogo – Tal como em 2007, o iPhone ditou uma mudança de paradigma societal e atualmente vivemos uma mudança de paradigma. A Economia da Intenção exige que as marcas deixem de ser interrupções na jornada para se tornarem facilitadoras do propósito do consumidor.

A intenção é a nova moeda relacional, assente nos dados extraídos das grandes plataformas. Acredito que vivemos um dataísmo, defendido por [Yuval] Harari, ou por exemplo em Sociedade de Plataforma, de Van Dijck, Poell & De Waal, no contexto que refere à existência de uma estrutura social em que as interações humanas, econômicas e culturais são mediadas, organizadas e controladas pelas plataformas digitais que funcionam como infraestruturas algorítmicas centralizadas.

Aqui, podemos pensar sobre as GAFAM – Google (Alphabet), Apple, Facebook (Meta), Amazon, Microsoft, sem esquecer a BAT – Baidu, Alibaba ou Tencent – no Oriente. Claro que estarmos atentos às estratégias de TikTok, Nvidia, OpenAI, entre outras, é fundamental para entendermos esta evolução e mudança de paradigma.

Aconselho vivamente a leitura dos diversos livros de Han, baseados nos pensamentos de autores como Heidegger, Foucault ou Arendt. O autor traz reflexões atuais em livros como a Sociedade do Cansaço, No Enxame: Perspectivas do Digital, Sociedade Paliativa, bem como o Infocracia. Acredito que estamos a caminhar para uma lógica diferenciadora de “captar clientes” para “servir humanos”. É a economia da empatia, da presença ativa, da escuta preditiva. Resta saber a essência dos dados, a veracidade da informação e o propósito da devolução da ação com base nestes dados.

E&N – A intenção está se tornando mais valiosa do que a presença?

Julien Diogo – Sim. A presença é hoje facilmente falsa, estar online não significa estar disponível, envolvido ou conectado. A intenção, mesmo silenciosa, tem mais densidade emocional e valor preditivo.

Todos nós podemos estar a oferecer “atenção”, mas a verdade é que a “intenção” oferecida é algo muito mais valioso, porque estamos mais perto da ação. Todos nós passamos horas em scroll nas redes sociais, supostamente “atentos”, e não atuamos por isso, somos passivos. A exposição e a atenção hoje não ditam a conversão direta para a compra, reserva ou partilha, hoje, vivemos muito além disso.

Nas relações sociais e profissionais surge um novo networking, a intenção partilhada é muito mais importante do que a proximidade performática. As empresas que venham a entender essa mudança poderão criar vínculos mais duradouros.

E&N – Quais métricas e tecnologias medem intenção de forma autêntica?

Julien Diogo – É importante, antes de avançar com métricas, perceber ou pelo menos refletir sobre o que é autêntico, como já disse. Hoje, o pior é que grande parte do que consumimos online nem é produzido por humanos, e essa tendência só deve se intensificar com os avanços da IA generativa. Logo, onde fica o autêntico?

Diria que medir em parte e com grandes limitações. Embora exista um progresso tecnológico significativo, a intenção humana continua a ser complexa, fluida e contextualmente dependente, o que dificulta a medição autêntica e precisa.

As Behavioral Analytics (cliques, scrolls, etc.), os próprios mecanismos e plataformas de machine learning e LLMs, com os modelos preditivos de IA com foco em zero-party data: onde o consumidor voluntariamente declara preferências. As estruturas de Natural Language Processing (NLP): para identificar o desejo em contextos verbais e não-verbais, ou o Mood Tracking & Biometrics integrados: wearables que mapeiam o estado intencional, [que] podem e são utilizados para tal.

Em forma de reflexão final, gostaria de destacar os riscos éticos da aplicação destas ferramentas, desde logo, a saturação cognitiva, [pois] a sobre-exposição digital interfere na clareza da própria intenção. Por outro lado, há o risco de enviesamento, “confundir intenção com contexto ou emoção passageira”. Os dados são interpretáveis (scrolls, cliques, etc.), mas podem refletir distração, curiosidade ou hábito. A manipulação de contexto: algoritmos podem criar intenção ou enviesar escolhas.

A recolha de sinais implícitos de intenção levanta questões éticas graves nas mais diversas sociedades e setores, a privacidade e o consentimento são duas dimensões que merecem reflexão e regulação. Considerar, sempre, que a intenção é diferente de atenção, o fato de alguém ver ou interagir com algo não significa que queira agir.

Imagem: Arquivo pessoal